04/05/2008

Rádio morta, rádio posta

No ar em tudo o que é sitio, ouvem-se constantemente as mesmas canções. Não passam de dez, ou pouco mais que isso, repetidas incessantemente pelas horas do dia afora. Com isso uns sofrem as agruras, da poluição sonora, outros há que gostam e há os que não se importam, deixando simplesmente de "ouvir" as músicas, transformadas entretanto em sons mudos, tal como o barulho incessante das obras, mas em pior. Porque as canções podem-se entranhar a contragosto e voltar nos momentos de silêncio. Mas isso é outra história, cura-se com boa música. Porque gostos discutem-se, pois claro que se discutem. Ontem, hoje e sempre. Agora mais ainda, onde a mediocridade instalada perde muitas vezes o pudor. Isto tudo para dizer o seguinte: 99 por cento das rádios são puro lixo. Melhoram um bocadinho à noite, mas melhoram cada vez menos. Ao mesmo tempo que pioram cada vez mais. E de que maneira.
Sei razoavelmente do que falo, já o vi com os meus próprios olhos nos inícios dos anos 90, tempos em que a rádio era bastante melhor que no presente. Resumindo, as listas de canções a tocar chegavam em CD' s impessoais em formato de colectânea. Era aquilo que se devia ouvir. Caso alguém quebrasse a regra entraria o director pela sala adentro, a dizer algo do género "que é esta merda. Quem é que vos deu autorização..."?. Claro que um director com as suas contas a pagar fazia depender o seu lugar da vassalagem ás majors e aos interesses financeiros da sua empresa. Por estas e por outras e como o povo é que manda, as poucas rádios que hoje ainda sobrevivem com um mínimo de bom gosto, qualidade, de senso e de dignidade contam-se pelos dedos de meia mão.
E se pensam que com a obrigação de haver uma quota de música portuguesa, ao menos se poderiam pôr no ar músicos nacionais de jeito, pois tirem vocês o cavalinho da chuva. Agora mais do que nunca temos em doses cavalares EZ Especial, Fingertips, João Pedro Pais, Pedro Kimba... Todos juntos em uníssono, a massacrar-nos a toda a hora numa rádio perto de si. Nos cafés, nos cabeleireiros, nas agência de viagens, nos escritórios, nas paragens de Metro. Como alguém já escreveu na blogosfera - o "ruído insuportável do entretenimento".
É pouco dizer que em relação à televisão, a rádio conseguiu o feito de transformar-se de alternativa saudável a produto inofensivo. Com o cabo a televisão reformulou-se. Quem quer tem consoante o seu gosto noticias, história, ciência, filmes, comédia ou futebol. A rádio em vez de se reiventar perdeu relevo, dimensões, perdeu gente, perdeu personagens e só se diversificou na internet. Não traz nada e não acrescenta nada.
Reparem que não cito os programas de informação, as entrevistas e os debates. É a música que aqui me interessa. Sei que existem óptimas pessoas e excelentes profissionais de rádio em Portugal. Alguns que gosto bastante. Uns lá conseguem alguma autonomia nos seu trabalho, criando algo que é seu. Outros simplesmente não merecem os chefes que têm. Têm sonhos e são bons naquilo que fazem. Gostavam de poder escolher algumas músicas para tocar, de dar o seu gosto a quem o ouve, mas em vez disso, têm de colocar no ar as playlists. Puta que pariu para as playlists. Peço desculpa, mas a rádio em Portugal bateu no fundo. Tornou-se para mim e para muitos simplesmente insuportável. O problema não é só nosso. Em baixo Bruce Springsteen queixa-se do mesmo: is there anybody alive out there?



5 comentários:

Nuno Góis disse...

Concordo plenamente. E se não se fala mais sobre isso é porque, infelizmente, as pessoas já se habituaram a não ligar mais a esse fabuloso meio de comunicação que já foi e pode continuar a ser a rádio, mas que, tristemente e como o dizes, hoje não o é...

blockbusters musicais exemplo da sociedade actual.

Nuno Góis disse...

As pessoas esquecem-se. Se calhar de tanto chafurdarem na porcaria deixaram de lhe sentir o cheiro. E é pena porque as rádios podiam ser muito boas. Ou pelo menos bem melhores que as que temos. É daquelas coisas que faria se ficasse podre de rico - criar uma rádio. Se calhar duas ou três...

RJ disse...

O dinheiro manda e para se vender publicidade é necessário ter audiência.

Infelizmente é assim e nem chego a achar que as pessoas têm mau gosto. Simplesmente não têm gosto e vão atrás das modas ou das músicas das quais se deve gostar (ou seja, as músicas que os outros gostam).

Pode-se falar inclusivamente numa estandartização da música, associada à afluência directa de público, aka "audiências". O Pop e o Rock Light de 3 minutos e meio em doses bi-horárias afastam muita gente que eu conheço das rádios. Eu próprio só ouço notícias e relatos de futebol, para além de um ou outro programa de discussão na Antena 3.

A questão das quotas esbarra na mediocridade dos nossos artistas mais mediáticos. Eu próprio tenho alguma alergia à música portuguesa e não tenho problemas em afirmá-lo.

Pedro Góis Nogueira disse...

Totalmente de acordo, mais até com aquela das pessoas nem sequer terem gosto e irem atrás das modas, se calhar até seria preferível que tivessem mau gosto. Talvez as humanizasse um pouco. De resto, a rádio tem mais que ver hoje com tele-marketing do que com si própria, passe a ironia...

RJ disse...

Dantes ainda havia os programas de autor. Um indivíduo com um gosto bem definido passava as músicas que achava estarem na vanguarda. Entenda-se por vanguarda artistas que acrecentassem algo de novo ou cuja qualidade intrínseca merecia a sua atenção.

Hoje a música banalizou e a malta vai atrás do que as editoras querem. Mas quem é que manda nas rádios afinal?

Um fã genuíno de Tony Carreira merece mais respeito do que uma pessoa que só compra os cds que estão no top.